Edebrande Cavalieri
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Crise demográfica e maternidade

No mês de maio nossa vida retoma a ideia da maternidade sempre comemorada de maneira festiva como o Dia das Mães. Mas um fenômeno vem crescendo sob nossos olhos: a diminuição do número de mães. E quando algum casal assume ter filhos, dificilmente ultrapassa a quantidade de dois. Parece que os tempos de famílias numerosas vão desaparecendo no horizonte de nossas vidas, no horizonte do mundo ocidental. Volta e meia essas questões surgem nos noticiários, e nesses dias o informativo do Vaticano informava que com a pandemia a tendência foi a queda ainda maior do número de nascituros.

Para se manter uma população nos níveis atuais de estabilidade sem crescimento ou queda, segundo cálculos da ONU, cada país deveria ter uma taxa de natalidade de 2,1 filhos por mulher. Mas o que vemos é a Europa manter a taxa de 1,59 filhos por mulher, a Rússia 1,48 e o Brasil 1,7. Parece que a ordem de Deus “crescei e multiplicai-vos” não está sendo seguida. Foi-se o tempo que lastimávamos as famílias numerosas nas camadas mais baixas da sociedade no ocidente.

No dia 14 de maio, em Roma, haverá o encontro denominado de Estado Geral da Natalidade, dedicado à crise demográfica, tendo como participante o Papa Francisco. Esse encontro foi convocado pelo Presidente do Forum Italiano das Associações de Famílias. Trata-se de se pensar o destino demográfico da Itália e do mundo. Entre os objetivos desse encontro está o movimento de corresponsabilidade para que o país possa recomeçar sua vida normal a partir de novos nascimentos.
Entre nós acabamos de ouvir uma manifestação feita pelo Ministro da Economia em que a longevidade não seria desejada. Isso resolveria o problema demográfico? A pandemia mostrou um quadro mais desolador, pois o número de mortes tem suplantado o número de nascimentos. Os países ocidentais envelheceram ainda mais.

A Itália há mais de uma década é um país cada vez mais velho e menos povoado. O mesmo vem acontecendo com os demais países europeus. O envelhecimento significa a perda de um conjunto grande de oportunidades do ponto de vista econômico e social. Com uma população idosa o horizonte fica estagnado em estruturas envelhecidas. Muitas estruturas sociais foram elaboradas considerando a população jovem, porém o envelhecimento demandará novas estruturas.
Em 2017 os países mais populosos do mundo eram China, Índia, EUA, Indonésia e Brasil; em 2055 os países mais populosos serão China, Índia, Nigéria, EUA, Indonésia. Metade da população mundial caminha assim para a via do decrescimento com envelhecimento da estrutura etária. No caso brasileiro, em 2047 estima-se que se chega ao ponto máximo da população com 232,8 milhões de habitantes; a partir de então se inicia um processo de decrescimento estimado em 231,5 milhões em 2055 e 190 milhões em 2100.

Teremos então no mundo um grande fosso demográfico, com os países da África e da Ásia sendo responsáveis pelo grande crescimento da população mundial. Alguns analistas falam de um “inverno demográfico” do ocidente em que os brancos não querem mais ter filhos enquanto negros e árabes continuam tendo filhos demais. O medo de um “colapso ambiental” com uma super população parece não ter efeitos positivos no ocidente. A Europa sofre com o processo migratório vindo do oriente e o projeto de uma imigração seletiva não parece produzir bons frutos. Daí mais de dois terços dos países europeus começam lançar medidas de incentivo para aumentar a taxa de natalidade.

Os motivos dessa recusa de filhos no ocidente estão em razões econômicas como os custos de uma boa educação, razões sociais e até razões ecológicas alegando que a terra não suportaria tantos habitantes. Temos uma predominância de casamentos tardios onde nem sempre o projeto de ter filhos está no horizonte do novo casal. Muitos também alegam o alto custo para a criação de filhos e a entrada da mulher do mercado de trabalho acaba afastando do objetivo de ser mãe. Também o advento de mecanismos de controle da natalidade como os anticonceptivos contribuem para a diminuição do número de filhos.
A fala do ministro da economia, Paulo Guedes, criticando a longevidade desejada ao dizer que “todo mundo quer viver 100 anos” nos coloca diante de uma grande questão. Em 1950, o Brasil possuía 2,6 milhões de idosos (4,9% da população) e cinquenta anos depois passa a ter 14,2 milhões de idosos (8,1%) da população. Calcula-se que em 2040 haverá 54,2 milhões de pessoas idosas (23,6% da população). Como o Brasil está se preparando para tamanha mudança no perfil populacional? Produzir discurso de aversão aos idosos considerados pesos, como tem havido no meio político, é das coisas mais cruéis que se possa fazer com as pessoas. Tem sido comum ouvir pessoas questionando a vacinação de idosos por eles não estarem mais no mercado de trabalho.

Outro dado que aparece de maneira crescente é a feminização do envelhecimento. Conforme dados prognosticados pelo IBGE, em 2060 teremos 33 milhões de homens idosos e 40,6 milhões de mulheres idosas. As estruturas sociais para essa mudança demográfica implicam altos investimentos e isso a política atual do Brasil parece não ter sensibilidade para essa questão. Ser idoso não pode significar ser indesejado, pária, rejeitado. Ou usando uma expressão do Papa Francisco, ser descartável e descartado. Em alguns momentos dessa pandemia tivemos a sensação de tratarmos os idosos como descartados da sociedade

A Europa já vem sentindo a necessidade de pessoas jovens e aptas para o mercado de trabalho e com qualificação profissional bem definida. Isso faz com que seja defendida uma elevação nos padrões da imigração seletiva tomando por base a nacionalidade e determinadas características, inclusive de cunho cultural ou religioso. Vemos como cresce o sentimento de rejeição aos milhares de migrantes que buscam asilo na Europa, muitas vezes arriscando a vida ao atravessar o Mar Mediterrâneo.

Não é nosso objetivo nesse artigo aprofundar a questão demográfica na política brasileira. Somente entendemos que esse assunto deveria ser pautado no Congresso Nacional e ser parte de projeto de governo em suas diversas esferas (federal, estadual e municipal).
E a Igreja, como está conduzindo essa questão? Será que somente o Papa Francisco está captando esse desafio da humanidade ocidental? Como estão sendo preparados os noivos para o casamento? Como os pais estão discutindo esse tema com os filhos adolescentes? E as escolas? O projeto de ter filhos deveria ser objeto de discussão com a presença de especialistas na área.

Na Europa, esse inverno demográfico está trazendo consequências enormes para a Igreja. Ao lado do processo de secularização da sociedade com o afastamento das pessoas da vida religiosa, esse inverno tem feito cair a cada ano o número de jovens vocacionados para serem padres ou irmãs religiosas. As dioceses e congregações também envelheceram em seus quadros. Alguns bispos estão partindo para buscar vocações religiosas na África e na Ásia. Seria a solução? Penso que não seja a melhor saída, pois a vocação não é uma espécie de mão de obra para o mercado religioso. A vocação deve ser expressão da fé cristã de uma comunidade.

Em março de 2019, o Papa Francisco esteve na Universidade Lateranense quando discutiu o tema da crise demográfica com professores e alunos daquela instituição. E nos diz que em grande parte essa crise é expressão da “doença do individualismo cômodo e mesquinho, preocupado apenas com o próprio bem-estar, com o próprio tempo livre e com sua autorrealização”. Geralmente os jovens casais dizem ao Papa que pensa em filhos, mas gostariam antes fazer uma determinada viagem, esperar mais um pouco, terminar a formação acadêmica com mestrado e doutorado; e assim o tempo passa. Como o casamento quase sempre vem depois dos estudos e da realização profissional, em poucos anos já se atinge idade inadequada para a geração de filhos.

O Papa Francisco não usa meias palavras. “O inverno demográfico que todos sofremos hoje é justamente o efeito desse pensamento único e egoísta, voltado apenas para si mesmo, que só busca a “minha” realização. Vocês, estudantes, pensem bem sobre isso: pensem em como esse pensamento único é tão ‘selvagem’, [...[ porque impede que você faça história, que deixe uma história atrás de si”. Isso é a “ruína da criação”. E propõe como mecanismo para a superação dessa perspectiva individualista “a mística do nós, que se torna o fermento da fraternidade universal”.

Então no momento em que festejamos do Dia das Mães também é o momento de se pensar na construção social do nós, de maneira equilibrada, responsável. É a partir do nós que vamos construir uma história, pois deixaremos continuadores de nossa vida através dos nossos filhos. Habitar a terra é um ato coletivo. Com a maternidade a humanidade participa do ato criador de Deus. Com ela o homem abre-se para o mundo e estabelece um compromisso com a vida e a história.
Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 21/08/2021
Alterado em 28/08/2021
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