Edebrande Cavalieri
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Edith Stein diante da perversão ideológica


A Igreja católica celebrou no dia 09 de agosto a festa litúrgica dedicada a Santa Edith Stein, canonizada em 1998 e colocada como co-padroeira da Europa ao lado de outras duas mulheres santas Catarina de Siena e Brígida da Suécia. O papa Bento XVI definiu-a como “luz na noite escura”. O papa João Paulo II que a canonizou dizia que essa santa representa “uma viagem na escola da cruz”. E o papa Francisco não economiza palavras para a definir. Trata-se, segundo ele, de uma “mártir, mulher de coerência, mulher que busca a Deus com honestidade, com amor e mulher mártir de seu povo judeu e cristão”.
O dia da festa litúrgica definido pela Igreja, 09 de agosto, parece ter sido inspiração do Espírito Santo, pois nesse dia foi lançada a segunda bomba atômica sobre o Japão, na segunda guerra mundial. E foi nesse mesmo dia 09 de agosto de 1942 que Santa Edith juntamente com sua irmã Rosa foram martirizadas no campo de concentração nazista de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, após serem deportadas da Holanda por ordem de Adolf Hitler.

O cenário da festa litúrgica contrasta de modo radical com esses dois eventos, frutos da irracionalidade humana que tantos ainda hoje querem negar. Edith Stein mais outros 244 judeus residentes na Holanda foram extraditados para a Alemanha por que o episcopado católico holandês se opôs publicamente contra as perseguições aos judeus. A ordem de Hitler chegou rapidamente listando as pessoas que deveriam ser enviadas para a Alemanha.

Essa perversidade ideológica levou à morte mais de seis milhões de judeus, verdadeiro holocausto, um genocídio. Não se sabe ao certo quantos foram sacrificados, pois os nazistas ao perceberem o final da guerra trataram de destruir grande parte da documentação existente e outras evidências que pudessem comprometer seus executores. Além do ódio aos judeus, o nazismo tinha outro foco do ódio conduzido por Hitler. Trata-se da União Soviética. Calcula-se que em torno de sete milhões de civis soviéticos, incluindo judeus, foram mortos pelas tropas nazistas e nos campos de concentração.

É nesse cenário de radical intolerância que desponta a figura dessa mulher santa. De família judia, desde pequena enfrentou a postura radical advinda da sinagoga. Seu desejo de estudar foi rompendo com qualquer postura de intolerância e assim passou a estudar filosofia fenomenológica com Edmund Husserl, sendo sua assistente, tornando-se a primeira mulher com o título de doutorado na Alemanha. Com essa habilitação ela estava apta parra exercer o magistério nas Universidades, mas o fato de ser mulher e judia impediu-a por toda a vida. E assim passou a se dedicar à educação das crianças e dos jovens, tornando-se uma grande pedagoga. Converteu-se ao catolicismo e acabou seguindo o caminho da vida religiosa como carmelita em Echt.

Foi na escola fenomenológica que ela aprofundou o conhecimento do humano. Logo teve que romper com a imagem cartesiana do “ego cogito”, isolado no mundo e dos outros. A ideia de sujeito que nasce na modernidade é perversa, pois não reconhece a existência do outo. O eu se basta. Eu penso, eu existo. Dane-se o mundo! Mas a fenomenologia que Stein estuda com Husserl mostra que eu nada sou sem o meu “analogon”, sem o outro (eu). O eu que existe no mundo jamais está isolado. Ele se constitui com o outro. Por isso dizemos Eu-Tu. Então seremos enquanto humanos um grande “nós”.

Nasce assim um conceito chave para entendermos a via da cruz na noite escura, que é a intersubjetividade. Sempre serei eu junto com tantos outros. Uma comunidade não é um amontoado de indivíduos isolados. Não é uma soma de seres. Nem é possível contarmos as pessoas que compõem uma comunidade, pois não apenas teremos aquelas que estão presentes corporalmente, mas também aquelas ausentes, aquelas pessoas que já morreram, as pessoas que ainda nascerão. Uma comunidade é um caminho de solidariedade entre vivos e mortos, mediados permanentemente pela solidariedade.

É na comunidade, no encontro solidário com o outro, que nossa ação deverá se desenvolver como verdadeiro protagonista. Não se trata de um agir isolado, como se fosse o salvador da pátria. Edith Stein representa a força da mulher que rompe diversos tipos de perversidade ideológica. Mesmo antes de morrer na câmara de gás, ao ser perguntada sobre o que se deveria fazer naquela situação ela só responde: agora nada mais a fazer, a não ser rezar.

A luta contra a perversidade ideológica deve ser permanente, para que não seja tarde. O machismo deve ser enfrentado não com revanchismo, mas com ações que alterem os rumos das relações humanas em nosso entorno e na comunidade. A luta contra a perversidade ideológica de regimes políticos deve ser permanente. Edith Stein jamais imaginaria que por ter trabalhado na primeira guerra como enfermeira seria levada à morte pelos próprios alemães a quem servira em 1914.

A perversidade ideológica não contabiliza ações humanitárias. Se for preciso passa-se por cima de todos seus próprios servidores. Hitler sempre dizia: “Comigo está o futuro da nação alemã. Contudo, existe, vivendo entre nós, uma raça não alemã, estrangeira, que não se dispõe e não é capaz de abrir mão de suas características. Suas atividades produzem uma tuberculose racial entre as nações”. Será que o mundo evoluiu depois da tragédia jamais vista na história humana? Hoje há diversos grupos que são objetos de ódio, de discriminação, de intolerância. E pior ainda, tudo feito em nome de Deus como a direita cristã tem agido em diversos lugares do mundo. Que Igrejas hoje são capazes de uma ação semelhante àquela que o episcopado holandês fez confrontando com as ações de Hitler? Foi nesse contexto que Edith Stein foi martirizada, depois de deportada da Holanda.

Desde estudante ela foi levada pelo mestre Edmund Husserl a estudar um fenômeno fundamental na relação intersubjetiva e na relação pedagógica e esse caminho tornou-se fundamental para enfrentar as diversas perversidades ideológicas. Em seu caminho ele propôs que ela estudasse com profundidade o conceito de “empatia” (em alemão Einfühlung). Hoje estão até exagerando no uso desse conceito. Fala-se em ser empático, ter empatia, como se fosse algo bem natural.
Na verdade, Edith Stein nos mostra que a empatia é uma experiência originária de encontro. Por ser originária, a empatia é constituinte, nos torna seres humanos. Para a fenomenologia, empatia é como se a gente sentisse o outro dentro de nós mesmos e juntos nos constituímos numa vida comunitária e de solidariedade. A empatia não é ausência de bons modos ou má educação. É algo muito profundo.

Hoje com as diversas perversidades ideológicas de cunho político e religioso, a empatia torna-se uma alavanca para mover esse mundo em vista de algo melhor. Quem não conseguir sentir o outro, o diferente, o sem lugar, de maneira não empática, alimentando sempre ódio, intolerância e indiferença, não trilha a escola da cruz, mesmo rezando ininterruptamente numa Igreja. A oração sem a experiência empática pouco vale; a principal função do amor está exatamente na capacidade de sentirmos o outro dentro de nós mesmos. Trata-se do amor radical expresso por São Francisco de Assis.

Por fim, estamos diante de uma das maiores filósofas de todos os tempos. É uma grande luz a iluminar o pensamento, a atividade intelectual. Em sua prática pedagógica com alunos da escola secundária ela dizia que estava diante de alunos que possuíam grande capacidade reflexiva que os levaria a melhor compreender a relação entre o ser humano e Deus, o ser humano e o mundo. O caminho pedagógico assim parte da descoberta desse mundo humano dos alunos integrando numa relação intersubjetiva Deus, Homem e Mundo. Edith Stein finca assim sua fé na história e constrói um caminho contra todo tipo de intolerância e perversidade.
Que tal trilharmos esse caminho da cruz!

Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 21/08/2021
Alterado em 28/08/2021
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