Tem crescido na humanidade atual uma experiência religiosa denominada de fundamentalista e que tem trazido muitas preocupações na ordem da convivência humana. Parece até uma reação às posturas cientificistas que impregnaram a prática científica que defendiam não apenas a superação da religião como sua extinção.
Estas duas posturas nos parecem inconciliáveis por defenderem uma oposição entre saber e crer. O que está acontecendo com a humanidade atual que nada faz para conter tanto o fundamentalismo islâmico como o fundamentalista cristão? Choramos o aprisionamento das mulheres exercido pelo poder do Talibã, mas nada fazemos com a matança de mulheres em nosso meio. Como é possível crer em Deus ou Alah sem seguir a perspectiva fundamentalista? Ao dizer que está escrito na Bíblia também justificamos a violência do Talibã pois está escrito no Alcorão. É preciso outro caminho.
Uma terceira via se desenvolve também nos dias atuais e defende uma perspectiva de conciliação entre razão e crença. A religião é uma experiência cultural presente em todas as culturas e em todos os tempos. Os prognósticos que sugeriam o fim da religião não se concretizaram. Temos como um dado estatístico bem atual de que 84% da população mundial se liga a alguma organização religiosa ou espiritual. E afirmam que a religião é importante em suas vidas. Assim pode-se até perguntar se temos uma disposição natural para acreditar ou se temos de fato necessidade de acreditar.
Sophie de Mijolla-Mellor, psicanalista francesa, lançou em 2002 a obra a necessidade de crer, já publicada no Brasil. Para ela a crença faz parte de uma sensação arcaica como sensação do sagrado. A pergunta pelo nascimento e pela morte, ou pela origem e pelo fim, remete automaticamente à questão do sentido da vida. As primeiras atividades religiosas foram construídas a partir da experiência do ciclo da vida humana: nascimento e morte. Assim os rituais de luto expressam as mais antigas experiências religiosas presentes na humanidade. Sempre é difícil aceitar a finitude e a morte como fim de tudo é difícil de ser aceita. Construíram-se teorias de renascimento da vida (enterrar também indicava que da terra pudesse germinar a vida), da transição de um espaço para outro, da ressurreição, da reencarnação, etc. A morte está no eixo central das crenças religiosas.
Não se trata de saber se a crença é uma ilusão como pensava Freud opondo-a à razão. A sensação do sagrado encontra um mundo muito mais amplo a ser sentido e experienciado. A crença então não é um campo a ser superado nas culturas e nem é algo selvagem e característico de “povos atrasados”. Portanto, as imagens de religião construídas por Freud, Nietzsche e Marx são recolocadas em outra esfera de avaliação. Elas foram construídas pela postura cientificista que negava à religião seu lugar constitutivo da esfera humana.
Assim podemos entender que a sensação do sagrado é encontrada bem antes da construção das instituições religiosas, dos tempos e espaços sagrados. O mundo mesmo é caminho adequado e eficaz para abrir ao próprio homem a possibilidade da sensação do sagrado. Os místicos tiveram esta experiência muito antes da prática religiosa tradicional.
Desta forma de considerar o mundo, logo se cria a ideia de transcendência. A divindade passa a ser a transcendência por excelência, mas distanciada ou afastada do homem. O homem é um ser de transcendência, mas não se equipara a Deus ou ao sagrado. A morte então reaparece como momento que assume os mais diversos significados: punição, arrependimento, resgate, perdão. Muitas religiões construíram verdadeiras teologias da morte em sintonia com a teologia da salvação. Com a idealização da morte nasce outro ingrediente fundamental da cultura: a culpa e a reparação.
Por esse caminho podemos avançar muito e perceber o sentido que a crença alcança na vida de cada pessoa, seja ela cristã ou islâmica. O risco da humanidade atual, o risco da crença, o risco da fé, está exatamente na exaltação política da crença. Quando um governante coloca Alah ou Deus acima de todos pode-se esperar que daí não advém coisas boas. Usa-se Alah ou Deus para o exercício do poder. Assim aniquila-se a fé e alimenta-se um ateísmo imoral, em novo de Deus, como foram as Cruzadas. Em nome de Alah também se mata e isso não é o que Alah deseja. Em nome de Deus se mata e se escraviza, mas isso não é o que Deus quer.
A imagem do Talibâ governando com punho de ferro e balas nas armas deveria nos remeter para uma análise de nossa realidade particular, que se diz cristã. A salvação está em outro caminho.