Edebrande Cavalieri
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Brasil: uma república evangélica?

Os brasileiros, em geral, são de uma cultura que dá pouca atenção à história. Há 128 anos a República brasileira foi implantada separando Igreja e Estado; porém a questão da relação entre Religião e Política sempre nos acompanhou. No ocidente, desde a era romana com o Imperador Constantino, o modelo de cristandade parece ser o desejo político inconsciente de várias nações.

Quando o Presidente do Brasil afirma que ele “foi escolhido por Deus”, ele não está falando aos ventos. Há um segmento religioso no Brasil que sabe de cor e salteado o Salmo 33, 12: “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor, o povo que Ele escolheu para lhe pertencer”. Este segmento é o que mais cresce conforme dados do IBGE e tem apoio de grupos da Igreja Católica.

Em 2017, quando Bolsonaro desembarcou no aeroporto de Vitória quase ninguém poderia acreditar que ali estaria uma “força que parecia estranha”, e que seria eleito pouco tempo depois. Da noite para o dia, parece que passamos de cultura política que confinava a religião nas sacristias das Igrejas conforme Constituição de 1891, para a cultura de estilo pentecostal, com características de cristandade, uma res publica christiana.

Se tomarmos as inúmeras referências religiosas proferidas pelo Presidente, por alguns de seus ministros e outras pessoas que ocupam espaços públicos, não é para desconsiderar a ideia manifestada pelo mandatário de que no STF deveria haver um ministro “terrivelmente evangélico”. O que está acontecendo com o nosso Brasil? Esse ministro julgaria processos com a Bíblia na mão ou com a Constituição? Também o Talibã governa com o Alcorão nas mãos.

As evidências vão aparecendo do nosso lado, na nossa casa, entre nossos amigos. O filme Divino Amor de Gabriel Mascaro, com muita competência, aponta para um Brasil de 2027. Ou seja, está no horizonte de nossas vidas. O retrato que vai se descortinando em cada cena mostra como se constitui uma república evangélica.

Nota-se a transposição do lugar do altar/púlpito para o espaço público. No Brasil Colônia e Império, época do Padroado, muitos púlpitos tornaram-se palanques revolucionários, com padres ocupando funções políticas como deputados ou senadores. Quem não se lembra do Senador Feijó ou Frei Caneca? Assim, no filme, a atriz principal utiliza de seu trabalho num cartório que cuida da burocracia estatal atendendo casais que requerem o divórcio finaliza o atendimento convidando estas pessoas para os cultos em sua Igreja.

Ainda no filme, os problemas são levados ao pastor, num atendimento drive thru, são lidos na dimensão da fé: “basta ter fé”, “Deus sabe o que faz” e “a recompensa chegará na hora certa”. Vejam como estas chaves de condução pastoral estão presentes nas conversas ao nosso redor. Cria-se assim um circuito: casa – trabalho – culto - casa. Os problemas são tratados na dimensão da fé.

Pensamento político virou sinônimo de ideologia a ser extirpada. A transformação da cultura vai acontecendo a olhos vistos. Assim a festa do Carnaval vai dando lugar para a “Festa do Amor Supremo”. Hoje a cultura gospel está ocupando as artes, as festas, as escolas, as instituições, a política.

Descortina-se assim um país cada vez mais pentecostal. Há uma institucionalização do conservadorismo, com a influência da fé religiosa nas atividades políticas e profissionais do Estado. Não se pode colocar a justiça a serviço de uma determinada fé religiosa. A justiça precede de modo absoluto as ações do Estado laico e democrático. Uma república de “cristandade pentecostal” custará muito caro para a democracia, pois os direitos deixarão de ser para todos. Esse é um dos lados nocivos da religião.

Essa realidade torna-se mais perigosa na medida em que os textos bíblicos são lidos na perspectiva fundamentalista, totalmente descontextualizados. Observando os cultos religiosos presentes em vários canais de TV raramente vejo a leitura de algum trecho dos Evangelhos. De maneira absoluta, os pastores tomam o Antigo Testamento para fundamentar posturas morais, ideológicas e políticas. Sem nenhuma hermenêutica, os textos tornam-se balizas de ação parra os fiéis. Então, a todo momento se ouve “mas está na Bíblia”.

O uso político e moral da Bíblia é hoje o maior risco para a fé cristã.
Os dois caminhos: a utopia de uma nação cristã como deseja o segmento religioso pentecostal ou a luta pela manutenção de uma nação democrática que garante espaço para todas as experiências religiosas e não religiosas, e coloque a justiça como alicerce da vida cidadã? Estamos diante desse desafio em nossas escolhas. Parece que não há uma terceira via.

Edebrande Cavalieri
Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 23/08/2021
Alterado em 28/08/2021
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