Edebrande Cavalieri
A escrita é a salvação do espírito, da alma e do corpo.
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A falta com a verdade

Cresci e me tornei gente grande ouvindo adultos dizendo que quem diz a verdade não merece castigo. Eram tempos em que a história se construía nessa direção, com essa força e coragem. A mentira foi sempre mostrada como algo perigoso, verdadeira coisa do demônio. Até se dizia que o chifrudo sabia fazer a panela, mas nunca conseguiu construir a tampa da mesma. Portanto, a mentira tem asas curtas. Ao padre no confessionário a cada período fazia-se uma confissão, verdadeiro tribunal para o juízo e o perdão de nossas faltas, e dali saíamos aliviados pois sabíamos que aquele rito considerado um sacramento tinha valor sagrado e eficaz. Daquele momento saímos fortalecidos com a verdade e a certeza de que aquelas tantas mentiras que contávamos foram perdoadas por um ente que se chamava Deus.

Mas o que aconteceu com o nosso mundo em que os compromissos com a verdade não são mais ensinados às crianças e vai-se formando uma sociedade em que o mais importante é tirar vantagem, valendo inclusive de um sem número de mentiras. Ganha-se uma eleição fazendo crescer um amontoado de mentiras que circulam como poeira de esgoto emporcalhando a roupa de todos os cidadãos. A política tornou-se terreno da não-verdade. O poder se mantém com a mentira. O mundo vai se tornando uma grande mentira. Será que a maior verdade hoje é o líquido sem cor e sem penetração?

O que aconteceu com nossas relações humanas? Amizades vão desaparecendo na mesma intensidade em que as mentiras vão corroendo nossas faces. Em vez da verdade da coragem para dizer a verdade, buscamos a covardia de esconder-se com cara de puro fingimento. E assim nas relações, poucas são aquelas que se sustentam sobre a base sólida da verdade. Como se desenvolveu a prática da calúnia! Vai-se assim acabando com carreiras, com a moral da pessoa, com a vida de cada um. A calúnia toma o outro e joga no lixo podre.

Em tantos jogos de pelada nas várzeas das cidades ou nos campos de interior a figura do juiz era totalmente dispensável. Entre os vinte e dois jogadores havia o compromisso com a verdade das jogadas, se era falta, não havia o que discutir. Coletivamente punia-se o infrator sem muita discussão. Quantas discussões se uma determinada falta na área era penalidade ou não! O esporte era uma verdadeira escola da verdade. Nem uniforme era preciso. Um time ficava com camisa e o outro sem camisa. E pronto! A diversão estava garantida. Havia brigas? Claro! Mas não se arredava o pé da verdade, motivo de tantas discussões após o jogo ao sabor de cachaça das boas da região.

Onde estão hoje as escolas da verdade? As redes sociais parecem ser mais escolas da mentira e da destruição dos outros. São verdadeiros templos da mentira.

E o comércio? Nossa! A famosa vendinha que anotava as dívidas no caderninho era o baluarte da verdade da economia. Ninguém desaparecia deixando dívida na vendinha. A quitação era feita de ano em ano. E ninguém era chamado para proceder o pagamento. Não havia necessidade de se entrar na justiça com algum processo para reaver o dinheiro dos produtos vendidos na forma de “pendura”.

A verdade da cultura era coisa sagrada. Faltar com a verdade era o que havia de pior. Por isso na cultura cotidiana se dizia de alguém que “era homem de palavra”. A palavra era expressão da verdade. Não precisava nada escrito. Se alguém dava a palavra, podia-se ficar tranquilo que o compromisso estava registrado no melhor cartório ou juízo, a consciência. E a consciência era coisa pública. A consciência tinha função política extraordinária.

Mas o mundo atual perdeu essa riqueza, ser pessoa de palavra. Ser pessoa da verdade. A mentira virou moeda corrente, não apenas de troca, mas de domínio, de morte. A mentira está matando muita gente. Mata filho. Mata pai. Mata amigo. Mata vizinho. A mentira nos mata a cada instante em nossas vidas. A mentira nos torna frágeis, produtos frágeis dos tempos líquidos. Até mesmo nossas lideranças religiosas, padres e pastores, aprendem rapidamente a faltar com a palavra. A pregação não escapa do pecado da mentira. Os altares das mentiras se multiplicam com formato de igrejas. Pode ser que até Deus torna-se uma mentira, um bezerro de ouro. A mentira não é a cruz, mas o que levou aquele sujeito à cruz naquele dia distante em que o povo escolheu a mentira em vez da verdade.

A salvação do mundo atual vai se distanciando a cada dia. O caminho mais curto não é o mais adequado. O povo está sendo ensinado a mentir, a escolher a mentira, a acreditar na mentira. A salvação está naquele que diz “eu sou a verdade”. Quem poderia se auto declarar com tamanha certeza? É preciso expurgar o deus mentiroso que tomou conta de nossas vidas, pregado por Pilatos e Sacerdotes mancomunados com o poder instituído. Transformaram o templo da verdade em crucificação. O caminho da salvação de nossas consciências sempre será o caminho da verdade.
Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 26/08/2021
Alterado em 28/08/2021
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