Edebrande Cavalieri
A escrita é a salvação do espírito, da alma e do corpo.
Capa Meu Diário Textos Áudios Fotos Perfil Livros à Venda Livro de Visitas Contato
Às margens do Ipiranga!
Desde pequeno na escola cantando o hino nacional ouvia falar tanto desse rio, que algumas vezes se tornava riacho, mas sempre ocupava a imaginação tão fértil dos tempos infantis. Como eu morava às margens de outro rio, o Doce, nada tão conhecido como o Ipiranga, ficava eu a desejar conhecer esse rio imaginário. E chegando à adolescência eis que aparece a oportunidade de conhecer esse símbolo da Independência do Brasil.

Hino Nacional e pintura de Pedro Américo povoavam minha imaginação e quando cheguei naquele local e diante do monumento à independência logo perguntei pelo bendito rio. E ao ver, na condição ainda de matuto roceiro, aquele curso d’água gritei: “mas isso é um córrego”. Se eu fosse gaúcho chamaria de arroio. Que decepção! Que desencanto! Por que me enganaram tão deslavadamente?

E desde aquele 07 de setembro de 1822 esse pequeno curso d’agua com pouco mais de 9 quilômetros de extensão nunca ganhou dignidade real como deveria, pois ali se iniciou a história nacional independente. Parece até que o dado casual do evento histórico, por ser o momento em que Dom Pedro I com sua comitiva teria parado para descansar os animais e o príncipe fazer as necessidades fisiológicas, jamais elevou o pequeno riacho a algum patamar geográfico de maior renome.

Até parece que o povo brasileiro não tem muita afinidade com essa data histórica, pois aquele pequeno córrego acabou tornando-se depósito de lixo industrial e doméstico. Suas águas engrossaram-se com lama preta, quando deveriam estar em “verde e amarelo”, águas claras. Pobre arroio Ipiranga, nem deixam que as pessoas o vejam. Ficou coberto de concreto em quase toda a sua extensão, assim como os demais riachos da cidade de São Paulo. Que mania essa de encobrir os esgotos que atravessam as cidades!

E as margens? Como minha cabeça imaginava essas tais margens! Como eu sempre via as margens do Rio Doce em épocas das enchentes, cheias de peixes de qualidade e grandeza, também transportava para o Ipiranga essa imagem de margens. Mas onde estão essas benditas margens?

Tento me convencer do valor histórico daquele feito chamado “Grito”. Como assim? Um Príncipe regente que permanece no país em nome do Rei e de saco cheio porque todo mundo falava em plantar feijão resolve num ímpeto dar um grito: “Independência ou morte”! O grito ecoou nas margens! Que margens?

Parece que nossa Independência nunca saiu das margens, e nunca chegou ao centro, ao leito. O grito marginal ainda não ecoou no centro, no coração, na alma da nação como a dizer que essa terra é nossa e não a deixaremos ser explorada por ninguém mais. Enquanto o grito permanece marginal, o povo perde a força para a luta. Em razão das margens o grito tem ecoado entre os marginalizados, entre os excluídos. Então o grito deve ser apoderado por quem ficou às margens. Os excluídos não pretendem proclamar uma nova independência, mas desejam fazer parte dessa história e não permanecer eternamente no campo da exclusão.

As margens precisam tornar-se leito, de água límpida e corrente. As margens precisam ser incluídas para que a riqueza da nação se faça vida, e não morte, não poluição. A independência jamais pode permanecer nas margens, lugares de quem nem sequer nadou um centímetro no leito de água pura. A independência não pode ter outra alternativa senão a vida, jamais a morte nas margens. Sem marginalizados, sem excluídos, a Independência se torna evento histórico, se torna libertação. Do contrário continuará a ser apenas um grito que ecoa sem razão. Um grito sem eficácia. Um grito sem vida.
Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 30/08/2021
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários