Edebrande Cavalieri
A escrita é a salvação do espírito, da alma e do corpo.
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Nunca fiquei adiando idade ou escondendo o tempo que passei. Sempre achei lindo tudo o que vinha acontecendo comigo, cada estrada percorrida, cada trilha, cada passo. Como a vida me fez muito bem! Como os anos que chegaram só me trouxeram alegria por estar ainda nesse mundo. Galguei todos os degraus da carreira que escolhi. Alguns sei que nem merecia, pois caíram no meu colo. Eu não contava com o que estava recebendo. Mas aproveitei que tinha vindo, e fiz o meu melhor com aquela dádiva.
 
O tempo trabalhado nunca me foi enfadonho, apesar de ter sido em alguns momentos muito cansativo. Chegar ao fim do dia com doze aulas ministradas a alunos do ensino fundamental não é para qualquer vivente professor. Por semana eram sessenta aulas. Quarenta pautas. Mas chegava ao final com a garganta inflamada, meio rouco, e feliz por ter vivido aquele dia de maneira tão intensa, sem rotina, sem script. Assim iniciei minha carreira de magistério. Quem trabalhou ou estudou no Colégio Salesiano de Vitória pode testemunhar isso que escrevo. Até os finais de semana eram tomados por aulas nos cursos preparatórios para o vestibular. E daí fui em frente, chegando a carreira universitária. De quem herdei tanta força?
 
Hoje, depois que ela se foi e me deixou desamparado e meio perdido, sei que foi dela e de meu pai que aprendi a viver a vida. É isso mesmo. É preciso saber viver a vida para chegar aos sessenta e dizer apenas como ela dizia “a idade está chegando”. Nunca ela dizia ser idosa ou velha. Apenas que a idade estava chegando e por isso não conseguia mais andar direito. E ela se foi assim aos 94 anos dizendo que tinha muita fé que iria ficar boa e voltar para casa do hospital.
 
Aos sessenta se chega sem esperar, pois é a idade chegando. Como ela chega? Inesperadamente. Não há previsão para isso. Ela vai chegando. O mundo parece querer nos envelhecer muito rapidamente. O mundo parece querer nos descartar imediatamente assim que completamos seis décadas de caminhada. Como o mundo é cruel. Até nossos amigos mais fieis parece que querem nos envelhecer. Como me doeu sentir um amigo me considerando inútil! Como dói ser tratado como idoso, ou o que dá no mesmo, inválido! Como as pessoas são cruéis invalidando outras pessoas, tornando-as incapazes. Então se tornam pesos.
 
Chegar aos sessenta logo me fez querer o que me havia sido oferecido como direito. E logo busquei uma plaquinha de estacionamento. Não gostei do título: “vaga para idoso”. Aliás, nem sei se aos sessenta seriam precisos determinados privilégios. Nem vagas de estacionamento. Nem fila. Nem caixa rápido. Enfim, isso não permite a ninguém excluir quem chega aos sessenta dos direitos normais da vida.
 
Aos sessenta a vida não está findando. Ela nunca finda. Que estranha mania de querer pôr fim no caminho da gente, no caminho da vida. Acho que o elixir da longa vida nasce desse desejo de romper a ideia de fim. Talvez seja mais corajoso dizer que é a idade chegando e não o fim chegando. Mas querem nos imputar um fim. Fim melancólico. Fim triste. Fim solitário.
 
Ah! Andei refletindo mais. Acho que tem um sujeito que está por trás dessa história de pôr fim na vida da gente. Não é bom que se viva até os 94 anos como viveu minha mãe. O sistema considera isso pesado e injusto. Até os planos de saúde não suportam a idade chegando e vão logo aumentando as taxas a partir dos sessenta. Como fica caro o plano de saúde depois dos sessenta!
 
Então, não me chamem de idoso porque vivo como se a vida vibrasse em meu peito, como se o amor ainda fizesse sonhar e gozar, como se apenas a idade estivesse chegando. Meus mestres, meus pais, nunca envelheceram. Receberam aquilo que a idade que foi chegando trazia. E curtiram o amor até o fim. Viveram para o amor como se esse nunca ficasse idoso. O amor não precisa de vaga para estacionamento e nem fila especial. Os idosos não amam mais porque não se deixa que se amem.
Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 16/09/2021
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