Aquele momento em que a noite inteira
e o dia seguinte
o que se vê é chuva caindo.
Isso me faz lembrar o dito de meu pai, um matuto também:
- Hoje cavalo bebe água em pé.
E eu, criança inquieta, querendo entender essa situação.
Em vão!
Toda vez que chovia muito
era a mesma história.
Hoje sei que eu deveria frequentar aulas da matutologia
para poder entender certas coisas.
Ainda era apenas uma criança matuta.
Como meu pai já se foi,
encontrei-me num desses dias
em que tudo parece escorrer água.
Se na roça a lama inunda até a alma
na cidade o asfalto
repele a água sem abrir brecha para a terra matar a sede.
As ruas se tornam rios!
Então encontro um matuto que veio fazer compras na cidade,
já bem molhado,
olha para mim querendo puxar conversa.
Eu não o conhecia.
Fazer o quê?
Ele queria conversar comigo.
Que coisa, né?
Parece que matuto não reconhece alguém estranho,
todo mundo é familiar.
Ele então começa a prosa não matutina,
era vespertina,
quase noturna.
Só sei que era prosa de matuto mesmo.
Ele vai logo falando que teve que fazer vários poços
em busca de água na seca.
Os olhos d’água secaram.
as lágrimas da terra desapareceram.
O matuto relatando triste tanto trabalho feito,
acariciando a terra
para rever os olhos d’água.
Eu acreditando fielmente no que ele dizia,
pois sua fisionomia
não o deixava mentir.
Ele aponta para as pessoas com cara feia,
pois esperavam poder sair sem se molhar.
E me diz:
- Esses aí, secam a terra fazendo desaparecer a água,
e quando ela aparece ficam assim com cara de funeral.
Os poços que cavei estão cheio de água.
Agora tenho água para tudo, de sobra,
até para voltar a correr no leito do rio.
Eu concordei de maneira sincera com ele. E disse:
- Agora o senhor pode plantar a terra, que o milho vai nascer,
para alimentar sua família e os animais.
Ele conclui sua filosofia de matuto:
- Deixa eu ir. Mesmo chovendo.
Minha patroa está esperando as compras e a roupa molhada ela vai logo cuidando e se for preciso,
vai secar no ferro à brasa.
Eu fiquei envolto nessa cena, conversada, entre um doutor e um matuto.
Aprendi tanto que hoje o mais justo seria ele receber o meu título.
Pois eu gostaria de voltar a me tornar uma criança matuta,
de cabeça grande,
mas cheio de sabedoria de vida.