Não me lembro de algum dia ter pensado na minha sombra.
Mas ela nunca me abandonou.
Às vezes fica bem nítida sobre o caminho,
outras vezes parece que pisamos nela integralmente,
pois não sobra nem um centímetro dela.
Parece nesse momento que ela nos abandou,
porém é quando ela se incorpora totalmente em nosso corpo.
Tem dias em que a sombra não aparece,
e ela está ali,
bastando apenas uma pequena lâmpada do nosso lado.
Ela, então, ressurge com todo vigor.
Como deve ser difícil nos acompanhar!
Fazemos tantas estripulias,
tantos saltos
tantas correrias.
e ela ali coladinha em nosso corpo.
Nem precisa dele todo,
basta apenas um fragmento
que é por onde ela se inicia.
Ela nunca começa pela cabeça!
Isso nos causa assombro,
pois imaginamos sempre a partir do cérebro.
Toda sobra começa pelos pés.
Nascemos pelo umbigo,
pelo meio do corpo,
pas o umbigo da sombra está na sola dos pés.
O dia nascente
e o dia poente
são os momentos em que ela mais aparece,
plena, longa,
parece tomar conta do mundo.
No sol a pino,
emudece.
Estou sentindo que a sombra que nunca me abandona
tem muito a me ensinar,
bastando apenas prestar atenção.
Estou considerando que o importante
não é pisar na sombra
fazendo ela desaparecer,
mas deixá-la ser o mais estendida possível
para que outras pessoas possam proteger
seus pés do caminho escaldante.
E, preferencialmente, com água refrescante.