Há alguns meses minha mãe veio a falecer em decorrência da idade. Desde pequena ela carregava dois nomes e atendia pelos dois. O de registro era Thereza, mas desde pequena junto a sua família, todos passaram a chamá-la de Edith, que era o nome que ela mesma gostava de ser chamada. Isso ao longo da vida foi gerando muitos contratempos, pois quando apresentava algum documento para alguém era questionada se ela era a Thereza ou a Edith. E ela curtia todas as confusões daí decorrentes. Até meu pai nunca foi visto chamando-a de Thereza, mas tão somente de Edith. Na rua onde morava era uma confusão só. Ela atendia pelos dois nomes, mas sua preferência sempre era por Edith, que nunca apareceu em nenhum documento.
Pois chega o dia em que ela morre, e nós tivemos que apresentar os documentos para a emissão da certidão de óbito. E com esse mesmo documento encaminhou-se o procedimento para enterro na funerária e no cemitério com a capelinha do velório. Aqui volta à cena a confusão dos nomes. O setor responsável pela capelinha do cemitério afixou uma folha com o nome Thereza. A tristeza de tantos amigos se abateu naquele momento, pois não achavam onde ela estava sendo velada. Não encontravam nenhuma informação do velório da Edith. Pronto! Quem morreu foi Thereza, e a Edith não apareceu no cemitério. Parece uma piada.
Muitos amigos ligavam perguntando onde ela estava sendo velada pois não conseguiam achar o local. E como a família não tinha atentado para a confusão dos nomes, todos achavam estranho o que estava acontecendo. A Thereza sendo velada, mas ninguém achava (a Edith). No fundo não se quer velar quem a gente ama. Até que alguém, esperando o tempo passar para enterrar a Thereza olha para o quadro de aviso funerário e saca toda a confusão. Ali mesmo, com uma caneta Bic, escreveu por cima da plaquinha “Edith”. Até que enfim as duas seriam enterradas numa cova só, mas as duas. Escrevo isso agora, pois a dor diminuiu um pouco.
Contudo penso que terei que recorrer a Freud para tentar entender o bendito sonho que tive nessa semana. Talvez algum psicanalista leia o que estou escrevendo e resolva dar uma colher de chá para a minha interpretação. O sonho foi muito breve, e não era pesadelo, apesar de se referir à morte. Nem tudo da morte é pesadelo ou tristeza. Nem é preciso recorrer a fé religiosa para saber disso.
Desta feita, meu pai não tinha morrido ainda. E estava comigo tomando todas as providências para o enterro da amada de tantos anos. Estava muito sereno. Como sempre esteve durante a vida. Então nós dois no mesmo cemitério aguardando a funerária trazendo o corpo. De quem seria? Ao olhar o caixão e os registros fúnebres descobrimos que ali estava Edith. A minha reação imediata foi de alegria. Vamos enterrar Edith, pois Thereza permanece viva. Eu gritei isso para o meu pai. E ele tranquilamente me dizia que preferia que fosse a Thereza, pois a Edith era quem ele amava. Aí chorei muito, por ele, por mim, por todos.
Eu queria salvar da morte a minha mãe que era registrada como Thereza, mas ele queria preservar o seu amor. Eu, muito racional e formal, presando o lado oficial da vida e ele o melhor lado, aquele que salta fora do caixão. Aquele velhinho analfabeto acabava de dar uma bela lição para o doutor, seu filho. Não sei mais o que fazer com o caixão. Ainda bem que é apenas um sonho.