Todos os dias nos defrontamos com notícias envolvendo práticas agressivas às práticas religiosas como invasões de templos, destruição de imagens, destruição de terreiros de Umbanda e até perseguições e mortes. E pouco nos colocamos para conhecer um pouco dessas questões. Iniciamos nos perguntando que práticas do nosso dia a dia provém de um sincretismo religioso e como pode ser conceituado?
Sincretismo religioso é um processo de apropriação de elementos de outra religião com o objetivo de fundir e incorporar seus elementos formando algo novo. Geralmente isso acontece como forma de dominação de um sistema de crença sobre outro. Assim temos diversos fatos na história que decorreram desse processo de fusão religiosa. O Natal, por exemplo, era uma festa pagã e os cristãos acabaram tomando o dia 25 de dezembro como data do nascimento de Jesus Cristo. No processo de difusão do cristianismo esse mecanismo foi muito usado. Desta forma, não se destruía um elemento religioso da outra religião, mas o transformava em algo próprio, tornando-se uma espécie de dogma novo.
No Brasil isso aconteceu envolvendo as religiões africanas vindas com os escravos e as religiões indígenas. O contato com o catolicismo foi transformando essas religiões surgindo a Umbanda, e o Candomblé. Sabemos pela história do período colonial com a dominação do regime de Padroado em que a Coroa portuguesa comandava a estrutura da Igreja católica no Brasil, que muitas vezes foram usados instrumentos repressivos, inclusive a própria Inquisição. Então as religiões africanas foram formando um sincretismo religioso como forma de sobreviver ao massacre e à intolerância. Muitas celebrações eram proibidas e também punidas. Daí a transformação dos santos católicos em orixás como forma de preservar suas tradições e enfrentar os mecanismos repressivos.
Ao mesmo tempo, foi-se transplantando para o Brasil um catolicismo de cunho medieval, devocional, não clericalista. Como se deu esse processo de construção da religiosidade em nosso país?
Sob a tutela do Padroado como regime de administração dos bens religiosos, a Coroa portuguesa utilizava da religião como mecanismo auxiliar na colonização, e por isso, administrava as circunscrições eclesiásticas sob o crivo econômico e político. Padres e bispos apenas o suficiente para garantir a estabilidade. Em razão dessa escassez de ministros ordenados, o povo brasileiro foi incorporando os mais diversos mecanismos de crenças. Surgem inúmeras devoções religiosas sem acompanhamento de padre ou bispo. As irmandades comandavam esse sistema de crença. Portanto, faz sentido o dito popular de “muito santo, pouco padre; muita reza, pouca missa”. A religião passou a ser elemento integrante da cultura brasileira, formando verdadeiros centros de romarias e devoções, construindo grandes santuários que foram alimentando a fé popular. Assim no Espírito Santo surgiu a devoção em torno de Nossa Senhora da Penha, iniciada pelo eremita Pedro Palácios e hoje é uma das maiores festas populares do Brasil, perdendo apenas para Nossa Senhora Aparecida e Círio de Nazaré que cultua Nossa Senhora de Nazaré, no norte do país. As devoções populares acabam revelando um país, um povo, suas dores, seus sofrimentos, suas necessidades. Tantas vezes, na ausência do Estado para cuidar da saúde, o povo só possui a devoção religiosa.
Se durante o período colonial as práticas de intolerância estavam voltadas para os cristãos novos (judeus convertidos pegos com práticas judaizantes) e para as religiões de cunho africano, chega-se ao período republicano aumentando ainda mais o clima de agressão e violência religiosa. Que razões hoje estão alimentando e fortalecendo o clima de intolerância religiosa?
Com o crescimento da diversidade religiosa no Brasil, e o advento de posturas fundamentalistas e conservadoras, nota-se um elemento sempre presente na história que é a intolerância religiosa. No século XVII, diversas guerras foram travadas entre países em decorrência da intolerância. A guerra mais conhecida foi a dos Trinta Anos entre Católicos e Protestantes na Irlanda.
Para se chegar ao ponto máximo da intolerância que é a decretação de guerra, diversos mecanismos foram se desenvolvendo com atitudes discriminatórias nos diversos espaços inclusive públicos como escolas e igrejas. Também atitudes de ofensas cresce entre nós, chegando ao ápice com agressões físicas e até morte. Quase sempre atitudes de exclusão religiosa descamba para atos de violência. Assim podemos citar a destruição de imagens nas Igrejas católicas realizadas por grupos ou indivíduos mais fanáticos e fundamentalistas, chegando até à prática de profanação dos espaços sagrados. O mesmo ocorre com as religiões de matriz africana cujos terreiros são invadidos e destruídos, e suas lideranças perseguidas.
A intolerância religiosa nasce sempre da postura de grupo que se acha melhor, que se acha escolhido por Deus, que se sente acima de todos. Defendem que apenas suas crenças e sua doutrina são verdadeiras, e considera o resto como seita ou algo relativo ao demônio. A intolerância é um dos piores males da sociedade atual e revela o enfraquecimento dos mecanismos democráticos. É preciso garantir que o direito de uma dada crença também seja assegurado para as demais crenças. Não tem nenhum sentido, por exemplo, um ensino religioso proselitista que atenda apenas aos direitos de determinado grupo ou igreja. Em razão disso, o Espírito Santo sempre caminhou na direção de um ensino ecumênico, interconfessional. Também aos ateus deve ser garantido o direito. Muitas vezes, a intolerância também ocorre em relação a essa parcela muito significativa da sociedade brasileira.
Por fim, é preciso dizer que diversos mecanismos de intolerância religiosa nasceram dos espaços e lideranças políticas. Hoje, no Brasil, cresce a perspectiva de dominação político-religiosa reunindo as parcelas mais conservadoras da sociedade brasileira, alimentando assim o aumento das práticas de intolerância. O melhor remédio para combater as práticas de intolerância religiosa é a formação de uma cultura democrática, de convívio pacífico na diversidade. Hoje esse termo tornou-se ameaça para os grupos fundamentalistas. Diversidade é uma realidade dos tempos contemporâneos que deve ser garantida mediante mecanismos democráticos. O mundo está carente dessa forma de viver em sociedade. Se não barrarmos os mecanismos e atitudes de intolerância corremos sérios riscos de termos uma guerra entre culturas, especificamente entre a cultura cristã e a cultura muçulmana.
No Brasil dos últimos anos, a política conduzida pelo Presidente apoiado pelas Igrejas pentecostais querem afirmar que está havendo um processo de intolerância religiosa aos evangélicos. Tais afirmações carecem de evidências científicas, não passando de narrativas para sustentação política de quem está no poder. O que tem aparecido com muita incidência e evidência são as agressões físicas e sociais a membros das religiões de matriz africana, com terreiros sendo destruídos, lideranças ameaçadas, e imagens de santos das Igrejas católicas sendo destruídas e profanados os templos. Não há nenhuma evidência em relação às Igrejas pentecostais.