Depois de 35 anos de magistério no ensino superior e quinze anos avaliando cursos e instituições de ensino superior pelo INEP, algumas questões me parecem fundamentais para transformar os cursos superiores em termos de qualidade e que tenham justificativa social plausível.
Cada aluno deveria, antes de tudo, logo no início, se fazer a seguinte pergunta: como estarei daqui a cinco anos, após concluir esse curso? Como me vejo? Ou seja, que perfil de profissional e de pessoa eu terei? Muitas vezes tenho a impressão que nossos alunos seguem um caminho mais ou menos às cegas, sem saber o que os espera e nem onde irão chegar.
Tanto faz instituições públicas como privadas, poucos professores colocam diante de si o perfil do aluno que eles querem formar, a finalidade do que estão ensinando e as metodologias que estão empregando. Sem colocar a questão do perfil do egresso de maneira bem concreta, podemos oferecer cursos maravilhosos, de alto saber, mas sem raiz na realidade concreta. Teremos então cursos com nota máxima do INEP, mas com baixo perfil do egresso.
Há uma dissociação enorme entre a teoria e a prática nos cursos superiores. Os famosos estágios que deveriam oferecer esse caminho mais prático acabam sendo massacrados pelos conteúdos teóricos, considerados superiores e mais importantes.
Até mesmo a escolha das bibliografias básica e complementar de cada disciplina deveria atender ao perfil esperado do egresso, ao perfil necessário para o mercado profissional e de trabalho. As Diretrizes Curriculares Nacionais deveriam servir para efetivar o curso de maneira concreta, mas muitas vezes são apenas narrativas nos Projetos Pedagógicos dos Cursos. As atividades complementares que elas preconizam deveriam servir para o aproveitamento de uma formação mais concreta, mas acabam sendo forma mais sutil de cumprimento da integralização do curso.
Em suma, do ponto de vista discursivo a organização do ensino superior brasileiro está maravilhosa. Não há o que mudar. O que é urgente está no descompasso entre a teoria e a prática, entre o que se ensina e o perfil do profissional e da pessoa que esperamos ter daqui a poucos anos.
Ninguém deveria concluir um curso superior e não ter onde trabalhar, onde atuar com o conhecimento recebido. Trata-se de um investimento muito caro, além do tempo. Tantas pessoas são formadas e acabam trabalhando em outra área completamente diferente e distante. Criamos uma ideologia de que o curso superior se basta por si mesmo, independente do mercado. Isso é um erro.
O Brasil ampliou em muito o ensino superior por exigência do próprio Banco Mundial, contudo não fez crescer na mesma ordem os lugares do mercando de trabalho. Expandimos o ensino superior, mas não na proporção dos lugares de trabalho. Como é triste ver um aluno colando grau e caindo no desemprego ou subemprego. Isso é tão sério que nas escolas de ensino fundamental e médio estão faltando professores específicos das disciplinas e os cursos de licenciatura praticamente inexistem nas instituições privadas ou sofrem da evasão galopante.
Entendo que isso se deve em grande parte pelas políticas públicas de fortalecimento da educação básica com a desvalorização do corpo docente e pedagógico. Num país sério, nenhuma disciplina da educação básica deveria ficar sem profissional formado da área e todos os cursos de licenciatura deveriam estar abarrotados de alunos. No nosso caso é tão triste essa realidade que recentemente foi publicada uma pesquisa mostrando que de cada 10 alunos formados de teologia, temos o equivalente a um aluno formado em matemática. Não se trata de ser a matemática muito difícil, pois nos cursos de licenciatura das ciências humanas também formam poucos alunos. Há uma evasão enorme, ultrapassando mais da metade dos que ingressam.
Em recente edital de concurso para professor na rede estadual do ES é bem marcante a pequena quantidade de vagas para docentes em áreas como geografia (60 vagas) e história (50 vagas), para o Estado todo. Essa quantidade vai preencher todas as necessidades de professores? Claro que não. Depois virão os processos seletivos com contratação precária de professor, sem direito a quase nada.
Desta forma, podemos concluir que a grande demanda interna dos cursos superiores se relaciona com estruturação de grades curriculares a partir do perfil dos egressos e externamente, há que se lutar por políticas públicas para a educação, que privilegie a qualificação, a remuneração e o compromisso pedagógico.
(Artigo para entrevista concedica ao jornal A Tribuna)