Nos últimos tempos temos visto pelo Brasil muitas iniciativas tentando impor determinado modo de crer nos recintos coletivos e públicos. Praças dedicadas à Bíblia sem contrapartida para outros textos sagrados também nas praças. Portaria de prédios com imagens de Nossa Senhora e a Bíblia, sem contrapartida para outros segmentos religiosos. Escolas públicas dedicadas a uma determinada religião apoiando seus eventos gratuitamente, etc. Tem condomínios que até colocam terços nas maçanetas dos elevadores e portas de ambientes coletivos. A mistura dessas práticas tem elevado a tensão no termômetro da intolerância religiosa e cultural.
A dificuldade de se viver e conviver num mundo plural tem crescido muito entre nós. Alguns se acham no direito de impor a todos o seu credo, as suas crenças e devoções. O argumento de que o Brasil é predominantemente cristão é uma total falta de senso de tolerância. A dominação da maioria não faz crescer determinada crença ou fé, mas a intolerância e a guerra.
Chega-se ao ponto de no Recife uma moradora de um prédio com muitos moradores colocar na entrada uma Bíblia e uma imagem de Nossa Senhora. Se ela morasse numa casa, não haveria nenhum problema. A casa é propriedade particular. Mas num condomínio onde há uma grande diversidade de credos e não credos (ateus por exemplo), a situação muda de ordem. Deixa de ser privada e passa ser pública. O mesmo seria numa escola, que é um espaço plural.
A pluralidade em todos os sentidos precisa ser respeitada e certas práticas confusas podem se tornar fonte de intolerâncias e guerras. Se para uma pessoa o certo será Bíblia e Nossa Senhora, para outra será o Alcorão, outra Iemanjá, outra Buda, outra Confúcio, outra absolutamente nada deveria haver. É preciso que os gestores dos espaços (condomínios, escolas, praças, tudo que é público) zelem pela convivência harmoniosa na pluralidade. E como proceder?
Nenhuma imagem é ofensiva. Se alguém tem o direito de colocar uma determinada imagem na entrada de um prédio, de um condomínio, todos os seus moradores gozam do mesmo direito de colocar a imagem que lhes aprouver, ou mesmo de não ter nenhuma imagem, pois são ateus. O espaço sendo coletivo/público não dá o direito particular de uma determinada pessoa demonstrar sua fé colocando uma imagem ou mesmo a Bíblia no espaço coletivo/público. Trata-se de uma questão de direito. Num Estado laico e democrático isso é fundamental.
Vejam um exemplo bem simples. Se os católicos podem ter a imagem de Nossa Senhora iluminada numa praça pública, o mesmo direito deve ser dado aos membros das religiões afro brasileiras de terem a imagem de Iemanjá toda iluminada principalmente em seu dia no espaço público. Não pode acontecer o que se deu em Vitória quando todo o entorno e a própria imagem de Iemanjá foram apagados na noite do dia da divindade. Se um determinado segmento religioso tem o direito de receber apoio financeiro público para a realização de uma festa, todos os demais cidadãos também terão o mesmo direito para organizar e financiar suas festas religiosas.
Por fim, as instituições jurídicas do país deveriam ficar atentas para o cumprimento do direito público de cada religião, de cada cidadão, religioso ou ateu. Escorregar no direito nessa esfera é abrir caminho para conflitos de previsões sinistras como já ocorreu ao longo da história.