Já tem um bom tempo que vem crescendo não apenas a desconfiança nas pesquisas eleitorais bem como o tamanho de erro das previsões nos diversos cargos e não apenas para a presidência da república. O que está acontecendo? A pesquisa é filha da modernidade substituindo o antigo argumento de autoridade dos tempos medievais. Tem suas raízes na investigação desenvolvida por cientistas como Galileu, Copérnico, etc. Daí nasce a crença de que os dados não falham. Mas agora estão falhando. O que está acontecendo?
O ano de 2016 foi eleito pela Universidade de Oxford como o ano da pós-verdade. O que isso significa? Muita coisa. É uma mudança de paradigma em todas as esferas, inclusive da pesquisa científica. Os estudos de Oxford demonstram que os fatos objetivos e reais não tem mais tanto peso como vinham tendo. Doravante é preciso prestar muito mais a atenção às crenças pessoais. O que está movendo o mundo deixa de ser os padrões cultuados da verdade tanto científica como institucional sendo substituídos pelos padrões das crenças pessoais.
O terreno das crenças foi abandonado pelos tempos modernos como sendo medievais, anacrônicos, etc. Vejam como foi possível convocar 60 mil crianças durante as cruzadas contra os mouros no oriente, colocando-as em navios como verdadeiros soldados, pois acreditava-se que essas criancinhas, sem pecado, seriam a força para derrotar os inimigos. E lá se foram milhares de crianças mar a fora. Outro exemplo simples. Por que a Igreja Católica vendia tantas indulgências como garantia do paraíso? Nunca se vendeu tantas relíquias de santos, tantos pedaços da cruz de Jesus, tantas missas pagas. O que movia as pessoas não era o fato, mas a crença.
Só que chegamos ao momento em que tudo está mudando rapidamente e nossas instituições ainda não conseguiram refazer métodos e metodologias. Os projetos de ciência de dados vão falhar com muito certeza quando as pessoas não mais confiam no modelo ou não o entendem. Há muito tempo que a sociedade brasileira vem questionando informações advindas das pesquisas. Começam a usar dados ruins e sujos com o advento da pós-verdade. Não há mais aquela imposição de dizer a verdade, nada mais que a verdade. Não se jura mais dizer a verdade! Se os entrevistadores passam a encontrar mais dados sujos ou ruins, os dados limpos e prontos são poucos, e por isso, torna-se tarefa hercúlea a análise dos resultados das entrevistas ou pesquisas.
Chegamos então ao nosso querido Brasil. Com o advento das redes sociais, especialmente Whattsapp, as crenças tornaram-se a maior mercadoria consumida pelas pessoas, tanto nas Igrejas como nas casas, nos grupos de amigos, nos condomínios, nas ruas. O caminho da crença é absoluto e radical. Uma decisão baseada na crença não dá margem à dúvida. A velocidade nesse caminho é imponderável. Em um click você chega ao país inteiro. Os jornais em papel estão desaparecendo. As bancas estão fechando pelas cidades. Ninguém mais vê circular a informação pelas cidades. Mas seu impacto é infinitamente maior. O jornal era o baluarte da verdade. Hoje o que impera é a informação produzida por todo tipo de pessoa, inclusive criminosos. Para enganar, monta-se uma imagem e colocam na boca de dada pessoa crível algo que ela jamais diria.
Para completar esse cenário, o alimento religioso torna-se um combustível ainda mais complexo. As lideranças das Igrejas não precisam mais investir tanto tempo estudando manuais de teologia durante quatro anos para vir a ser um bom pastor ou padre. No domínio da crença, a pregação deve ser convincente, mas nunca como algo provado aos moldes antigos. Não se questiona se algo é verdadeiro ou não. A crença suplanta esse caminho com desdém. Importa que a pessoa que lhe fala está num lugar distinto do seu. Basta dizer que é pastor ou padre. Pode ser até pastor ou padre fake. O lugar de onde essa pessoa fala vale por si só. Trata-se de um novo argumento de autoridade a partir do lugar que ocupa.
No tempo da pós-verdade, outros ingredientes passam a tomar conta da vida das pessoas. Assim, de maneira específica desse momento eleitoral, qualquer palavra dita nos púlpitos das Igrejas tem valor de verdade (ops) e deve ser seguido. Ninguém ousa discutir a partir de fatos. Logo vem a máxima que se essa pessoa estiver mentindo, ela dará conta a Deus. E encerra-se a conversa, sem argumento.
Outro elemento importante a ser considerado é a disseminação do descrédito em determinados agentes institucionais como institutos de pesquisa. As pessoas não mais sentir-se-ão honradas por serem entrevistadas. Ao contrário, tanto olham com desdém, como com agressões, dispensa. Nem os entrevistadores do IBGE estão conseguindo colher informações corretas da população brasileira.
Onde tudo isso vai desaguar? Não sabemos. Até nisso nós perdemos na imprevisibilidade das crenças. No máximo teremos diagnóstico momentâneo, jamais prognóstico, previsão. Nossa margem de erro, no campo das crenças, tende ao infinito e não ao limite da percentagem. Até mesmo a definição da amostra para a pesquisa torna-se imprecisa. Está mais para o campo da amostra aleatória, sem valor de verdade. Mas o que importante agora? A verdade? Não. A crença. Salvem-nos, os deuses de todos os povos.