Tantas vezes nos confundimos a respeito de se saber ou distinguir se determinado caminho se refere à moralidade ou à ética. Desde a antiguidade o pensamento filosófico se debruça sobre o mundo ético e Aristóteles caracterizava a ética como algo ligado à virtude de uma pessoa, como uma tendência para o bem. Nesse sentido, ele dizia que nos extremos jamais encontraremos a virtude, mas na justa medida, na linha média. É o bem, ou a tendência ao bem que leva cada pessoa a ser capaz de viver com os outros na polis, na cidade. Portanto, a ética é um caminho preparatório ou propedêutico para a política. E esta é a busca do bem para todos os homens, portanto, a política tem como pressuposto a universalidade pois está fundada na ética.
Assim, podemos dizer que qualquer questão ética se reveste de universalidade, enquanto a questão moral é particular, relativa. Há interesses políticos que sempre desejam transformar a moralidade de determinado contexto particular em uma universalidade. Mas isso é um total equívoco conceitual e prático. São pretensões totalitárias que sempre almejam transformar a questão moral em algo universal. Até as organizações criminosas adotam condutas morais de autoproteção. Um governo criminoso é aquele que não visa a universalidade dos cidadãos, mas apenas de seu próprio grupo.
Como fomos marcados por pregações ideológicas de transformar a moralidade apenas a respeito dos aspectos sexuais, perdemos o alcance maior da questão ética. Assim, por exemplo, qualquer preceito de cunho sexual é estritamente moral. Um comportamento sexual que se pretenda universal é uma imposição autoritária ou totalitária.
Daí pode-se ampliar o raio de abrangência ética. Jamais o suporte ético irá permitir que o particular se sobreponha ao coletivo. A ética é um dos poucos valores realmente universais, pois todos estão submetidos ao que é bom, ao que é justo. Algo é ético se possuir validade em qualquer canto do mundo, em qualquer cultura, em qualquer país, em qualquer religião. Note-se que no campo das religiões cada uma delas possui um campo de abrangência que pode ser considerado ético, portanto seus conteúdos são válidos para todos, inclusive para os atues. O cristianismo possui um campo de abrangência ética muito elevado. Podemos dizer que nesse sentido o cristianismo seja superior às demais religiões.
Para que possamos responder mais rapidamente se algo é ético ou moral basta fazermos duas perguntas: algo é certo ou errado? A resposta é estritamente de cunho moral, portanto tem validade estrita, vale para um determinado grupo de pessoas, determinada cultura. Caso a pergunta seja: algo é bom ou justo? Estamos ao responder a essa questão no campo dos valores éticos, da universalidade. Muitas vezes nos confundimos ao analisar o caráter de obrigatoriedade ética. A moralidade assim como o Direito tem caráter normativo, que impõe obrigatoriedade para um grupo particular. Também o Direito tem abrangência ética e muitas vezes na hermenêutica jurídica os operadores do direito ultrapassam a esfera restrita da norma e caem na abrangência ética. Assim, algo pode ser legal, de acordo com a lei, mas é antiético.
Grande parte das ações de intolerância na sociedade atual decorre da confusão entre o que é moral e o que ético. Alguns defendem de determinado padrão normativo no comportamento sexual como a questão da homossexualidade, as questões de gênero, o modelo de família monogâmica e heterossexual, sejam comportamentos ou práticas a serem seguidos por todos numa determinada sociedade. Trata-se de questões morais, portanto são particulares. Somente o grupo social que acredita e aceita tais normativas pode ser enquadrado nesses parâmetros. Ao contrário, uma normativa relativa à vida transcende à dimensão moral e veste-se com parâmetros éticos. A defesa da vida é um determinante ético, universal.
Uma sociedade laica tem destaque fundamental para as perspectivas éticas. Ao contrário, um Estado teocrático como vem sendo pregado por muitas Igrejas e apoiado pelo bolsonarismo é uma usurpação do direito que não possui. Ninguém pode impor a todos os membros de uma nação a heterossexualidade ou um determinado modelo familiar. É realmente ridículo o slogan “em defesa da família”. Trata-se de uma pretensão totalitária, autoritária. Ninguém tem o direito de impor a todos um modelo de família para toda a sociedade. Família é assunto adequado à moralidade e não à eticidade.
Mesmo na questão do aborto há que se distinguir os dois âmbitos – moralidade e ética. A defesa da vida é um valor ético universal. Isso se reveste de obrigatoriedade ética. Contudo, em determinadas situações há que se avaliar sobre o que seria melhor, mais justo. Há situações que a questão do aborto deve ultrapassar o caráter particular, moral, e olhar para o coletivo. Assim, no Brasil em termos universais o aborto é crime, é proibido. Contudo, algumas exceções são permitidas pois recaem sobre o domínio ético. Trata-se de gravidez fruto de abuso sexual, de violência, portanto, que marcaria para sempre a vida daquela mulher e pior ainda se for uma menor. Também em caso de risco de vida da mulher há que se recorrer ao bem maior que é a preservação da vida dela. E por fim, há uma jurisprudência que permite o aborto em caso em que o feto não possui cérebro. Ou seja, mesmo nesse caso, o princípio ético da vida não está contemplado.
A perspectiva fundamentalista tem a tendência de universalizar ideais particulares, normas de sua religião ou ideologia política. E assim querem impor para todos sua forma de ver o mundo e a vida. Os fundamentalistas são em essência seres que não suportam a perspectiva ética. Assim são usurpadores do direito e impostores de suas próprias normas. Os fundamentalistas são a doença do estado democrático, o mal que impõe todo tipo de prática intolerante. Nenhuma religião pode ser arvorar o direito de impor sua normatividade moral para todos os outros homens.
Por fim, é no caminho ético que a humanidade poderá trilhar a via da paz e da convivência solidária. A via moral geralmente é o caminho para a intolerância e a guerra. O bem que a humanidade atual mais precisa não se encontra na casa da moral, mas na universalidade ética. Hoje as questões éticas ultrapassam o âmbito antropocêntrico e alcançam a vida do planeta como um todo. Temos assim necessidade de uma ética planetária. Essa sim é pressuposto de salvação do mundo e da humanidade, jamais a moral particular de algum grupo ou religião. Talvez hoje o que mais precisa o mundo não é de religião ou de Igrejas, mas de formação ética para a convivência solidária e fraterna, para a paz.