A leitura pouco fiel das Escrituras Sagradas nos tempos atuais corrobora os estudos de Max Weber conhecido como “A Ética Protestante e o Espírito Capitalista”. É comum traduzir popularmente e pregado em tantas Igrejas o trecho de Lucas 17, 20 a respeito da presença do Reino de Deus.
A ideologia individualista que é o motor do sistema capitalista é interiorizada burlando o sentido descritor pelo autor das Escrituras. Há muita diferença entre dizer “o Reino de Deus está dentro de você” e o “Reino de Deus está entre vós” que foi traduzido por um dos maiores biblistas protestantes – João Ferreira de Almeida.
Jesus nesse trecho descrito pelo Evangelista Lucas compara o Reino de Deus a uma semente de mostarda, pequena e que gera uma árvore frondosa; ou também compara com o fermento usado na farinha de trigo para fazer pão. Na verdade, o Reino de Deus não é algo subjetivo, dentro do indivíduo, que deve dar conta de sua vida apenas a Deus. O Reino de Deus está em nosso meio.
Na tradução correta: “Porque o Reino de Deus está no meio de vocês”, e não dentro de você.
Assim, a ética protestante vai fornecendo a estrutura simbólica não apenas no contexto religioso pregado nas Igreja, no seio da cultura, na qual e a partir da qual operam certas forças econômicas que sustentam o sistema como um todo.
Se a pregação protestante vai se afastando da dimensão social da fé, da dimensão coletiva, e remetendo o tempo todo para o espaço restrito do indivíduo, como se o Reino de Deus estivesse dentro de cada pessoa apenas e não no meio de nós, ou entre nós, tudo isso vai gerando forças que sustentam o espírito capitalista baseada na estrutura individualista.
De maneira concreta na história atual do Brasil em que se nota um movimento forte de transição religiosa formando uma cultura pentecostal que vai dominando as estruturas políticas, sociais e culturais, é de se esperar um recrudescimento maior da estrutura capitalista da exploração do trabalho, remetendo sempre para o esgoto conceitos como "justiça social" ou mesmo "função social da propriedade". Ao mesmo tempo vamos percebendo o adoecimento da sociedade, aumentando as demandas de cunho psicológico, de saúde mental, de assistência social. Vamos encontrar nesses campos um crescente de demanda por trabalhadores de nível superior, muito mal remunerados, para cuidar das dores e das feridas produzidas pelo sistema.
Ou também podemos ver crescer a violência do próprio Estado através de suas forças de segurança, e não apenas nas organizações criminosas. E no caso mais extremo poderemos chegar à privatização da guerra, a terceirização do combate à violência. Essas coisas são produtos de um sistema que remete sempre para a esfera do indivíduo. Ficou bem emblemático um vídeo aqui no ES onde o Secretário de Segurança chega a um adolescente suspeito de infração dando lição de moral, mandando estudar, mandando buscar uma vida descente. Ou seja, jamais esse Secretário irá reconhecer a responsabilidade do Estado pela geração de empregos para que esses jovens possam viver dignamente. Ao pobre adolescente agora resta a reclusão carcerária e a submissão aos processos judiciais demorados preso num sistema carcerário da pior espécie. Escola do crime.