Edebrande Cavalieri
A escrita é a salvação do espírito, da alma e do corpo.
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Triste mundo! Mundo triste.

Dois fatos marcantes num bairro de classe média alta me chamaram muito a atenção nessa semana. Uma calopsita ganhou a liberdade fugindo da gaiola em que estava confinada e voando pelas árvores que ainda restam das ruas cada vez mais asfaltadas. Nem o calor dos dias fez a linda ave desejar voltar para a gaiola maldita. Entre as folhagens buscou a frescura da liberdade, a vida como ela é.

 

Porém, seu dono ou sua dona, resolveu acionar uma corporação de bombeiros para o resgate da linda ave, avistada por alguns vizinhos. Seu canto chamava a atenção e nem se importava se estava sendo buscada novamente. Então chegaram aqueles homens fortes e corajosos para resgatar a ex-prisioneira. Até escada magirus foi usada, sirenes, sinalizadores. Uma grande equipe bem preparada. Não para esse tipo de ação. Mas, aquele imposto pago parece que dá ao cidadão o direito de manter a pobre ave em seu poder, utilizando inclusive de uma força de segurança para o resgate e novo aprisionamento.

 

Ao finalizarem aquela ação espalhafatosa, o povo delirante aclamava a honradez e bravura da corporação. Mas outro grupo chorava a captura daquela ave feliz que conseguiu viver em liberdade umas poucas horas. Mundo difícil é esse da convivência no mundo da vida. O direito de uns se sobrepõe ao dos outros, inclusive às custas do sofrimento de outros seres viventes.

 

Outro fato também me chamou muito a atenção. Nesse mesmo bairro, cresce a cada dia o número de vizinhos que moram nas ruas. Passamos por eles a todo momento. Muitos ali permanecem deitados o dia inteiro. Sempre dependentes da caridade de alguns humanos que levam comida e bebida. A situação de cada um desses moradores é profundamente desumana, sem direito a nenhuma corporação para levar comida, lugar para banhar-se e agasalhos para dormir.

 

Os mesmos humanos que aplaudiram o resgate da calopsita condenam seus semelhantes vizinhos em situação de rua. Logo proferem juízos como “vagundos”, “malandros”, “noias”. Contudo, passei a olhar com mais atenção e com tempo esses vizinhos. Em vez de virar a cara, passei a perguntar se estão precisando de alguma coisa. A interação entre humanos tem decaído em nosso meio, e também a interação com animais. Cuidamos magnificamente de alguns que tem tratamento vip em nossas casas, e outros ficam abandonados pelas ruas correndo todo tipo de risco, e sofrendo com atropelamentos.

 

Assim em frente ao prédio ondo moro, vi que o vizinho da rua tinha acolhido um lindo pet abandonado na rua. Passava agora a pedir comida para si e para o seu companheiro fiel. Os dois dormindo sob uma pequena árvore, no calor de calçada dura.

 

Em dado momento, presenciei uma moça conversando com o vizinho, dono do pet, oferecendo-se para adotar aquele pobre animal abandonado e resgatado, não pela corporação de bombeiros, mas por um morador em situação de rua. Então, a consciência dele falou mais alto e entregou para aquela mulher o pet estimado.

Ai ele se voltou para mim, e disse:

- Com o coração partido, mas sei que com ela esse pobre animal terá melhor tratamento, mais cuidado.

 

Pensei comigo:

- Terá mais dignidade! A dignidade humana não está dissociada da dignidade animal.

 

Para minha surpresa, no dia seguinte, aquele mesmo vizinho tinha recolhido outro cachorro, bem grande, e mais animal. Menos domesticado. Amarrado a uma coleira com guia, seu olhar não indicava ter muitos amigos. Apenas seu companheiro de calçada, que divide comida, água, agasalho e companhia.

 

Triste mundo! Mundo triste, cruel.

 

Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 08/12/2023
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