Manha de inverno meio frio, na cidade com muito trânsito, sem nenhum sinal ou semáforo, eis que me deparo com a faixa de pedestre. Como tantas outras faixas, essa faixa também parece apenas enfeitar de branco a negritude do asfalto duro. Aliás também dura é a vida das pessoas que circulam e tentam atravessar pela bendita faixa de pedestres. Mas animais em quatro rodas não reconhecem quem está tentando há muito tempo atravessar.
Ela estava ali, em pé, balançando uma vareta, mas ninguém demonstrava ver. Ali estava ela. O vento parecia aumentar ainda mais o risco da travessia, pois fazia barulho. Era apenas o barulho que sinalizava para aquela mulher o momento de atravessar. Santo ruído, destruído também por uma multidão de sons. Assim, a cidade do barulho não abre espaço para o silêncio que facilite a travessia. Ela estava ali, aguardando. O quê?
Então cheguei pertinho dela. Ela parecia saber o que estava do seu lado. Estava me buscando desesperada, mas não era medo. Queria saber se realmente alguém estava ali, pois só ouvia o barulho dos carros e das motos. Ela buscava um ente que pudesse fazer alguma coisa numa cidade que desconhece as diferenças. Acha que todos são iguais com todos os sentidos funcionando. Ela ouvia, tinha tato, olfato.
Então cheguei pertinho e disse:
- Fique tranquila que estou do seu lado. Vamos! Vem comigo. Estou do seu lado. Não precisa ficar com medo.
Ela sentia até a velocidade dos meus passos. Alguém estava a seu lado, para fazer uma pequena coisa: atravessar uma simples rua movimentada. A vareta dela percorria rapidamente o asfalto, também irregular, com alguns buracos, pois ela não podia escorregar e cair. Mas eu estava do seu lado, eu disse a ela. Quase peguei no braço dela, mas achei que seria muita invasão a minha, pois não nos conhecíamos.
Enfim, do outro lado da rua. Um rapaz vendendo água de coco, presenciou toda a cena da travessia. Foi então que lhe ofereci um coco. Mas elas me agradeceu muito, tanto a oferta da água de coco, como o estar do seu lado.
Então o rapaz da água de coco me confidenciou que volta e meia tem pessoas com deficiência visual que arriscam a própria vida para atravessar uma simples faixa de pedestre. Esse sinal na pista é absoluto. A simples presença de uma pessoa parada em frente a ele indica a obrigatoriedade de parar o carro e até sinalizar para a travessia.
E fiquei o dia todo meditando sobre esse "estar ao lado de alguém na cidade". Que profundo é esse modo de ser, apenas estar ao lado.