De maneira bem subliminar, silenciosa até, mas proliferando na linguagem cotidiana, nas práticas, vai se desenvolvendo uma lógica capitalista que se faz discurso que enquadra o “idoso” na figura do velho, do improdutivo, do obsoleto. Trata-se de uma lógica que vai impactando o dia a dia sem nos darmos conta.
Algumas pessoas vão reagindo quase de maneira instintiva como quem diz “eu comprei o ócio”; agora fico à disposição da poesia. Contudo, nos diversos ambientes sociais e profissionais, especialmente médicos, vai-se localizando o velho como objeto de cuidados e até como algo obsoleto, já que é improdutivo. Então torna-se um peso para o Estado que deve arcar com aposentadoria e pensões, e também um peso para a própria família. O abandono de idosos será em breve o fenômeno social de maior impacto para as políticas públicas.
A lógica capitalista é cruel, e pode considerar o ‘idoso’ como mercado de consumo, a quem se oferecem produtos caros, e também como objeto de cuidado. Teremos no segundo caso um movimento de segregação, de isolamento, na contramão dos laços sociais. O desaparecimento do laço social é a maior dor que alguém pode sentir.
Tem países que já consideram esse segmento social como “peste cinzenta”, discriminado, posto de lado, descartado. Está passando da hora de se prestar atenção a uma espécie de “conspiração do silêncio” que define o caminho a ser dado, ou o tratamento dado à velhice.
A categoria do idoso foi sendo construída pelo discurso geriátrico ou gerontológico, assim como pela prática asilar. Por trás da preocupação médica, esconde-se uma lógica capitalista que absorve a conduta médica como necessário e essencial, que todos a partir dos 40 anos já deveriam se preocupar e procurar especialistas na “velhice”.
Fico profundamente assustado como essa lógica capitalista vai sendo interiorizada no discurso médico e em suas práticas. Tem-se a impressão que se não procurarmos um geriatra o quanto antes a morte chega ao abrir a porta de nossa casa. Nem sempre é necessária a entrada da medicação na vida do idoso. É preciso avaliar a função e o lugar dessa medicação de acordo com a real necessidade. A própria indústria farmacêutica contribui para o fortalecimento dessa lógica capitalista.
Por fim, cabe a pergunta: Onde está o limite em que o médico deve agir e a quê ele deve responder? Estamos no campo da questão ética mais desafiadora que teremos pela frente nos próximos tempos.