Em meados do mês de agosto, o Brasil foi impactado com a notícia da morte de um jovem de 14 anos de um colégio de São Paulo que, após sofrer intenso bullying, decidiu retirar a própria vida. Os colegas ainda estão realizando manifestações naquela escola chamando a atenção de seus gestores para a questão do acolhimento daqueles em situação de vulnerabilidade social e emocional.
Nesse tipo de notícia cria-se uma comoção nacional momentânea e, no mês seguinte, tudo volta ao normal, e as instituições sociais como família, escola, igreja seguem sua rotina diária, como se houvesse desaparecido essa grave chaga social. Dados divulgados pela Sociedade de Pediatria baseados no Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde indicam que certa de 1000 crianças e jovens entre 10 e 19 anos cometem suicídio por ano. São mais de três por dia no Brasil. Segundo dados da ONU, no Brasil são aproximadamente 14.000 pessoas por ano, ou seja, 38 por dia, que cometem o suicídio.
Desde 2013, a Sociedade Brasil de Psiquiatria colocou no calendário nacional a Campanha Internacional Setembro Amarelo para enfrentamento da questão. Porém, esse tema ainda é tabu. As instituições sociais deveriam aproveitar esse mês dedicado à campanha para refletir, estudar, projetar ações para desenvolver processos que ajudem as pessoas a enfrentar esse grave desafio à vida. É preciso discutir o suicídio principalmente entre crianças e adolescentes. A dignidade da vida humana deve ser objeto de defesa em todas as circunstâncias e esse problema é um dos mais graves em nossos tempos.
Como se trata de um problema complexo e extenso, gostaria de deixar algumas reflexões voltadas para os cuidados com crianças e jovens no enfrentamento da questão do suicídio. A situação tem se agravado com o advento das redes e mídias sociais e a inexistência de leis que os protejam. Redes e mídias estão impondo padrões de comportamento, normas para a pertença em grupos e, por outro lado, ausência quase completa de redes de proteção às crianças e jovens.
Como dói ouvir o assessor do Núcleo de Estratégia e Inovação do colégio paulistano onde ocorreu o suicídio dizendo que “a escola não é clínica de psicologia”! Não é clínica, sim, mas em cada escola deveriam existir psicólogos e assistentes sociais, além de orientadores educacionais e, óbvio, professores. Cabe à escola ensinar. Não apenas isso. Cabe também formar em processos de empatia e convivência social. É função de todas as instituições sociais acolher crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. O suicídio não tem uma causa apenas e, em geral, é de difícil identificação. Cabe a todas as instituições sociais como escola, família e Igrejas identificarem as vulnerabilidades e promover processos de atuação para enfrentamento.
Tem-se como hábito colocar a culpa sobre a família e os amigos quando ocorre um fato desse. A própria família enfrenta um enfraquecimento dos vínculos reais entre pais e filhos. Há um crescente de violência no interior das próprias famílias, bem como uma carga excessiva de exigências e cobranças de padrões de comportamento.
O mundo que nós adultos deixamos para nossas crianças é rico em informações, tecnologias, rapidez de comunicação, contudo tudo isso não faz de nossas crianças e adolescentes fortes como éramos no passado. Se a prática do bullying não nos afetava tanto, hoje é o contrário. Nossos jovens são frágeis, muito mais vulneráveis que nós. Não basta ensino de conteúdos intelectuais e científicos. É preciso ensinar a cada criança a desenvolver processos de empatia, de diálogo, de respeito, de acolhimento dos próprios colegas.
As instituições sociais necessitam capacitar seus membros para essa ação formativa. Ao mesmo tempo, capacitar as pessoas para identificar os sinais de sofrimento de nossas crianças e adolescentes. As redes sociais estão repletas de estímulos para a autoagressão e o suicídio. Como estamos acompanhando nossos filhos nos caminhos das redes sociais e internet?
Torna-se essencial captar os sinais e procurar imediatamente ajuda. É difícil uma criança ou adolescente chegar à morte na primeira tentativa. Cada dia ela vai deixando rastros que podem ser captados pelas pessoas que estão em seu entorno.
É preciso prestar atenção às suas manifestações como não se sentir importante, não estar no grupo das brincadeiras na hora do recreio, fisionomia quase sempre tristonha e sem sorriso. Isso pode indicar a necessidade de se buscar ajuda com profissionais da pediatria, das equipes multidisciplinares, e profissionais de saúde mental. Qualquer suspeita de sofrimento psíquico exige recurso imediato a alguma rede de proteção.
Há que se constituir um mutirão de pessoas formado por pais, professores, catequistas, profissionais de saúde mental, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais para se desenvolver ações de prevenção ao suicídio, que é uma das maiores causas de morte no mundo.
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O setembro amarelo pode se tornar o momento das flores vibrantes, época da renovação e de nova vida revestida de cores e fragrâncias em nossas crianças e adolescentes. Essas lindas flores não podem murchar, muito menos secar e apodrecer. Que qualquer criança ou adolescente que esteja em situação de vulnerabilidade possa encontrar sempre pertinho de si uma mão que o ajude, que o acolha!
Publicado em 03 de setembro de 2024 https://www.aves.org.br/setembro-amarelo-2/