Edebrande Cavalieri
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Intolerância religiosa em tempos de polarização

Podemos definir a intolerância em geral como falta de compreensão, aceitação ou habilidade para reconhecer e respeitar as diferenças de opinião, crenças, cultura, valores, sexo, contextos, etc. Trata-se de uma rejeição ao que é diferente, aversão às novidades, que resultam em violência, quase sempre.

 

Nasce do isolamento e da cultura do medo. Crises políticas e econômicas fortalecem grupos que defendem comportamentos intolerantes. Atualmente vivemos diversos tipos de crise, gerando medo e buscando culpados, que acabam se tornando bodes expiatórios.

 

As redes sociais deixaram as ações intolerantes mais evidentes. Tem crescido nesse ano de 2024 a intolerância na internet. Conforme dados do Ministério dos Direitos Humanos, só no primeiro semestre de 2024 tivemos no Brasil 4.200 denúncias, quando em 2017 o ano inteiro foram 1.200 denúncias.

 

Ainda conforme o Ministério dos Direitos Humanos, no primeiro semestre de 2024 foram registradas 1.227 denúncias, tendo o Rio de Janeiro com 147 denúncias, São Paulo com 115 e Distrito Federal com 60 denúncias. Esse número é quase o mesmo registrado no ano passado que foi de 1.482 denúncias. O perfil das pessoas que sofrem a intolerância religiosa são mulheres e negros. É nesse contexto que cresce o discurso de ódio que desqualifica, desumaniza, destrói grupos e pessoas.

 

A polarização que se desenvolveu a partir de 2017 chegando a níveis enormes atualmente favoreceu muito o ambiente de intolerância religiosa. As redes sociais favorecem a polarização. Uma pesquisa feita em 28 países pelo Instituto Edelman Trust Barometer traz dados preocupantes – 79% das pessoas não estão dispostas a ajudar quem pensa diferente; 78% não estão dispostas a trabalhar ou morar ao lado de alguém que pensa diferente. São desenvolvidos diversos mecanismos de exclusão do diferente, inclusive usando a intolerância religiosa.

 

No mundo atual, conforme relatório publicado pelo Vaticano 67% da população mundial vive em países onde há graves violações da liberdade religiosa. A expansão de grupos jihadistas que pregam a luta armada em países islâmicos, abuso da tecnologia digital, as redes cibernéticas e vigilância em massa baseada em inteligência artificial, e tecnologia para reconhecimento fácil para aumentar o controle e a discriminação radicalizam os mecanismos de intolerância religiosa pelo mundo afora. Cresce também a violência sexual como arma contra as minorias religiosas.

 

Do ponto de vista histórico, foi durante da Reforma Protestante nos séculos XVI e XVII que se desenvolveu muito a intolerância entre católicos e protestantes. As guerras religiosas expressam bem esses níveis. Podemos citar a Guerra dos Trinta anos ocorrida entre 1.618 e 1.648 decorrente de ações católicas que destruíram diversos templos protestantes e medidas adotadas contra a liberdade religiosa. Também vale lembra a Noite de São Bartolomeu – 24 de agosto de 1.572 – em Paris quando foram massacrados entre 5000 a 30.000 huguenotes protestantes.

 

A questão da intolerância religiosa foi objeto de reflexão por parte de alguns filósofos. John Locke escreveu a “Carta sobre a tolerância” que vale a pena se lida e estudada, demarcando a separação entre os poderes civil e religioso. Para ele, a tolerância é um princípio limitador do papel dos indivíduos, do Estado e das instituições religiosas para o estabelecimento e manutenção da paz social, o respeito à liberdade de culto e o respeito às diferenças crenças.

 

Outro filósofo importante foi Voltaire que publicou o “Tratado sobre a tolerância”. Para ele a intolerância é uma intransigência das pessoas. Ao ser perguntado sobre o que é a tolerância, responde dizendo que era o “apanágio da humanidade. Somos todos cheios de fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices”. Segundo esse filósofo, os gregos eram mais sábios e mais humanos que nós, pois chegaram a construir um altar ao Deus desconhecido. Já possuíam muitos em seu panteão, mas também olharam para a existência de outros deuses dos povos estrangeiros. “A tolerância jamais suscitou guerra civil, enquanto a intolerância cobriu a terra de chacinas”.

 

Por fim, vale também estudar e refletir sobre o pensamento de John Stuart Mill que escreveu o tratado “Sobre a liberdade”. Para ele, “A humanidade não pode silenciar nem mesmo uma só pessoa, porque não se pode ter certeza da verdade de opinião alguma”.

 

O sentimento de intolerância não ocorre apenas no campo religioso. Podemos encontrar intolerância racial também conhecida como racismo; Intolerância social muito comum contra pessoas que estão em situação de rua; Intolerância sexual contra pessoas que se encontram no perfil LGBTQUIA+; Intolerância política que gera violência em tempos de eleição; e Intolerância de gênero contra as mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Ali ocorrem os feminicídios.

 

No Brasil, a intolerância religiosa assume também o rosto de um racismo religioso contra as religiões de matriz africana são as mais atingidas, especialmente contra o Candomblé e a Macumba. A politização da religião com consequências para toda a vida social, politização dos valores tradicionais e das crenças e produção de ressentimento em grau elevado. O fundamentalismo religioso praticado tanto entre Igrejas pentecostais e neopentecostais como grupos católicos fortaleceu os mecanismos de intolerância religiosa. O uso dos textos bíblicos do Antigo Testamente favoreceu esses mecanismos de intolerância política e sexual.

 

Como combater a intolerância religiosa? Uma coisa é óbvia: é preciso promover urgentemente a tolerância religiosa e a garantia da diversidade religiosa no Brasil. A Lei 9.459 de 13 de maio de 1997 tipificou a intolerância como crime. Em razão disso, as demandas por justiça deveriam ser mais céleres. Existe também um canal para denúncia “Disque 100”, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos. Também as denúncias podem ser feitas em delegacias comuns ou especializadas como a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

 

No Espírito Santo pode ser acionado o e-mail da Gerência de Proteção dos Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) gppddh@sedh.es.gov.br. Também há os canais do Disque 181, do Fala Vitória 156 e o site da SaferNet (safenet.org.br) que é uma organização não governamental que recebe denúncias anônimas sobre crimes e violações aos direitos humanos na internet dando orientação e apoio aos em caso de crimes virtuais. Diante de uma ação de intolerância religiosa qualquer pessoa que presencie poderá gravar o ocorrido e entregar às autoridades, desde que não divulgue o material sem a autorização das pessoas filmadas.

 

Uma última iniciativa positiva ocorreu no dia 12 de dezembro de 2023 com a criação do Comitê Nacional de Liberdade Religiosa através da Portaria Ministerial nº. 766/2023, composto por 15 membros titulares e 15 suplentes, tendo como atribuições a defesa do direito ao livre exercício das diversas práticas religiosas, a promoção do reconhecimento da diversidade religiosa no país e defesa do direito à liberdade de crença e convicção, assim como a liberdade de não ter crença, a produção e divulgação de materiais informativos, estudos e campanhas sobre respeito à diversidade de crenças, liberdade de culto e laicidade do Estado, e o acompanhamento de denúncias de violações de direitos de pessoas ou grupos religiosos relacionados à intolerância religiosa.

 

Concluindo, podemos dizer que hoje é preciso um movimento forte de PROMOÇÃO DA TOLERÂNCIA E GARANTIA DA DIVERSIDADE RELIGIOSA EM TODO O BRASIL. Isso pode ser desenvolvido promovendo uma educação para a tolerância desde as séries iniciais. Uma das disciplinas mais importantes para esse trabalho é o Ensino Religioso não confessional; criação de políticas públicas que sirvam para ajudar as pessoas vitimadas pela intolerância; criação dos mais diversos canais de denúncias; punição aos responsáveis com agilidade da justiça; promoção da diversidade religiosa em todos os âmbitos e valorização da liberdade de crença. A tolerância é um princípio fundamental para a efetivação dos Direitos Humanos e para a construção de sociedades pluralistas, democráticas e de Estado de Direito.

 

Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 30/10/2024
Alterado em 30/10/2024
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