O calendário litúrgico ou religioso do cristianismo está baseado no mundo judaico, com a criação do mundo em seis dias e o sétimo servindo para descanso que é o sábado. Contudo, a encarnação do Verbo promove uma grande alteração nesse calendário contado em sete dias, tendo o sábado como ponto máximo. A fé cristã passa a considerar o domingo que era o primeiro dia da semana do calendário judaico como o ponto mais elevado, pois é o mistério central da fé: a Ressurreição de Jesus. Assim, o calendário cristão toma o nascimento de Jesus que é o Natal e a Ressurreição como os momentos litúrgicos mais importantes.
Começa então a formação de dois grandes blocos do calendário para serem vividos religiosamente. A preparação para o nascimento de Jesus, conhecido como Advento, formado por quatro semana. Por isso, o calendário litúrgico ou religioso começa quatro semanas antes do 25 de dezembro. (O fim do ano litúrgico ocorre com a Festa de Cristo Rei, último domingo antes do advento). A Igreja realiza um conjunto de práticas espirituais nesse período visando a preparação para o nascimento de Jesus Cristo.
A outra festa que marca o calendário cristão é a Páscoa, e também ele exige um tempo de preparação com cinco semanas culminando no domingo da Ressurreição ou da Páscoa, ou seja, quarenta dias. Considerando que a definição dessa festa está baseada no calendário lunar e ainda considerando o influência judaica que definia a Páscoa (saída do Egito e passagem no Mar Vermelho) que estabelecia a primeira lua cheia após o equinócio da primavera, (no hemisfério sul é equinócio de outono) também a Igreja assume o calendário lunar para definição da páscoa cristã que deve ocorrer na primeira lua cheia após o equinócio da primavera (norte do Equador), Assim a páscoa varia entre os dias 22 de março a 25 de abril. O sentido da lua cheia também é significativo. Plenitude de luz, luminosidade, beleza, resplendor. A Páscoa cristã é essa plenitude de luz, de luminosidade. A noite escura perde seu lugar no mundo cristão diante da ressurreição de Jesus.
O tempo da quaresma se inicia com uma prática herdada de tradições religiosas antigas e que a Igreja primitiva assimilou rapidamente que é a imposição das cinzas na cabeça das pessoas. Esse tempo de preparação ficou conhecido como quaresma, do latim “quadragésima”. Novamente um número simbólico da tradição judaica, quarenta. Temos os fatos – quarenta anos do povo judeu no deserto depois da saída do Egito da escravidão do faraó se preparando para a entrada na terra prometida; e quarenta dias de Jesus no deserto antes de iniciar a vida pública.
Assim, a quaresma com 40 dias expressa um tempo de preparação, de penitência, de jejum, de oração. As cinzas expressam simbolicamente esse momento e trazem como fundamentação bíblica “Tu és pó e em pós hás de retornar” conforme nos diz o Livro do Gêneses 3, 19. Na antiguidade, não apenas essa prática representava penitência e conversão, mas também o vestir-se com sacos e postando-se na porta de entrada das Igrejas. A penitência era pública.
Foi o Concílio Ecumênico realizado em Nicéia em 325 que fixou essas datas, especialmente o tempo da quaresma. Portanto, a Igreja desde a antiguidade traz essas marcas espirituais.
A partir dessas duas grandes festas, o resto do calendário vai se organizando introduzindo festas cristãs, e abandonando as festas judaicas definitivamente. Os primeiros cristãos não deixaram de imediato de serem judeus. Eles frequentavam o templo e respeitavam as festas judaicas. Contudo, aos poucos os novos cristãos vão se afastando da cultura judaica na questão religiosa.
A questão do calendário é mais complexa, pois envolve várias influências de diversas culturas. No mundo judeu, adotava-se o calendário lunar. É esse calendário que serve para definir a data da Páscoa que é central na vida cristã. Por isso, temos datas móveis. O calendário solar foi criado na cultura egípcia, com 365 dias, e foi aceito no mundo ocidental cristão, tendo o monge Dionísio no século VI estabelecido o ano 1 como o primeiro ano do nascimento de Jesus Cristo. Esse calendário somente foi oficializado em 1.582 pelo Papa Gregório XIII. Nesse momento, toda a liturgia cristã estava estabelecida conforme o calendário judaico (lunar). É a partir da Páscoa se estabelecem as demais festas religiosas da Igreja. Por isso, o carnaval e a semana santa ocorrem em datas diferentes a cada ano. O ciclo lunar difere do ciclo solar. Essa mescla entre calendário solar e calendário lunar gera essas diferenças em muitas datas do calendário civil que temos.
Se formos buscar suas origens mais antigas, também os calendários estão organizados a partir de uma perspectiva religiosa. O Sol nas culturas antigas era considerado um deus e o sentido do oriente, onde o sol nascia, era altamente positivo. O ocidente onde o sol se põe é negativo. Daí a grande peregrinação da humanidade na direção do nascer do sol, do sol nascente. A história parece ter início com essa dinâmica solar. A lua também era considerada deusa. E isso gerou também um calendário. Enfim, os primeiros homens possuíam uma relação muito mais profunda com o universo, com os astros, que nós da era tecnológica.
Por fim, poderíamos contextualizar as cinzas especialmente no Brasil com o tempo das queimadas. As cinzas das queimadas não representam penitência, mas pecado grave contra a criação de Deus. Os incêndios que ocorrem hoje estão secularizando o sentido das cinzas como símbolo de penitência.